terça-feira, 7 de agosto de 2007

Reforma Universitária: quem ganha, quem perde?


Uma minoria ganha, a grande maioria perde. Esta é a resposta para a pergunta-título do presente texto. A resposta de antemão, no entanto, pressupõe a sua fundamentação. A proposta de reforma universitária do Governo Lula tem fundamentos, características e conseqüências de grande alcance social e expressa uma determinada forma de compreender o papel do ensino superior em nosso país, bem como um projeto de desenvolvimento nacional. No presente texto seria impossível abordar todos os aspectos envolvidos e por isso iremos destacar alguns elementos e a partir disto apontar quem ganha e quem perde com a referida proposta de reforma universitária.

Toda política estatal tem por detrás de si um projeto político embasado em interesses, concepções e valores que expressam grupos sociais e até mesmo nacionais. Iniciaremos apontando quais interesses internacionais estão por detrás da atual proposta de reforma universitária. Ela tem o suporte do Banco Mundial, que não só apresenta propostas como realiza imposições oriundas de seu poder financeiro e força real na condução da política nacional nos países de capitalismo subordinado. A visão da educação do Banco Mundial é mercantil, fundada nas velhas ideologias da ciência econômica, a chamada neoclássica (Coraggio, 2003), que toma a educação como uma mercadoria.

A lógica mercantil subjacente nas propostas do Banco Mundial pode ser percebida a partir da idéia de submeter o processo educacional ao mercado. A educação perde todos os seus elementos não-mercantis (formação humanista, pensamento crítico) tornando-se mera mercadoria. Isto ocorre, no caso do ensino superior, em todos os aspectos: a oferta do ensino superior se torna a venda de uma mercadoria, a formação do aluno se torna a preparação para o mercado; o conteúdo do ensino se torna utilitário, as instituições estatais de ensino passam a objetivar lucro. As mercadorias são produzidas e quem produz as mercadorias ideológicas do Banco Mundial são aqueles que detém o poder a nível mundial e no próprio banco: os Estados Unidos. O Banco Mundial visa reproduzir e intensificar a divisão internacional do trabalho e a subordinação dos países mais pobres. O processo de crescente empobrecimento nos países de capitalismo subordinado sofre grande interferência do Banco Mundial (Chossudovsky, 1999) e é retrato da nova lógica do que podemos chamar “neoimperalismo”. Destacaremos dois pontos das propostas originadas no Banco Mundial: o fim da gratuidade e um enrijecimento da divisão do trabalho intelectual.

O fim da gratuidade (Leher, 2004a) vem apenas confirmar que o ensino se torna uma mercadoria, mesmo quando oferecida pelo Estado. Assim, é preciso pagar pelo ensino na esfera estatal e isto tem sua razão de ser na lógica do cálculo racional capitalista, pois o Estado assim diminui seus gastos, de acordo com lógica neoliberal. A idéia de autonomia universitária que vem sendo proposta pela reforma universitária se fundamenta na idéia de que as universidades devem captar recursos se vinculando a empresas privadas e ao mercado (Leher, 2004b). Na verdade, o que temos é sua total perda de autonomia, já que passa a se submeter ao mercado e também a parcerias com empresas privadas. A cobrança de mensalidades e taxas é apenas um processo de aprofundamento do que já vem ocorrendo com as universidades estatais.

Outro elemento presente na proposta de reforma universitária, de acordo com os interesses do Banco Mundial é o enrijecimento da divisão internacional do trabalho intelectual. A OMC – Organização Mundial do Comércio – tenta promover um processo de concentração da produção científica-tecnológica ainda maior nos países imperialistas, especialmente nos EUA e isto também se encontra presente na proposta da ALCA – Aliança para o Livre Comércio nas Américas. Tendo em vista que a reforma universitária proposta pelo governo Lula aprofunda a precarização do trabalho docente e, por conseguinte, da produção intelectual nacional, ela incentiva a busca de um ensino superior em outros países, principalmente nos EUA, por aqueles privilegiados que podem pagar por isto. A precarização da força de trabalho docente é um forte incentivo para isto. A proposta de aumentar o número de vagas nas universidades estatais ocorre através do aumento da carga horária dos professores – o que significa mais tempo em sala de aula e menos tempo para pesquisa –, o aumento do número de alunos em sala – o que significa mais trabalho extra-sala para os professores, tal como a avaliação de trabalhos escritos que se eleva quantitativamente – e a expansão da EAD – Educação à Distância, que possui baixo custo e permite a um professor ter uma quantidade muito maior de alunos sob sua responsabilidade.

Haverá, com isto, uma notável queda da qualidade do ensino, pois o professor irá ter menos tempo para pesquisa, atualização, além do fato de que quanto maior o número de alunos numa sala de aula menor é o rendimento destes e esta era uma das vantagens do ensino superior estatal sobre o privado. O objetivo é claro: diminuir custos e, também, diminuir a qualidade de ensino, tornando mais equilibrado a diferença entre instituições estatais e privadas e produzindo futuros professores com formação inferior. A força de trabalho docente perde sua qualificação e a produção intelectual nacional se vê radicalmente prejudicada, o que beneficia os países imperialistas. A já secular colonização cultural brasileira seria assim reforçada e ampliada. Assim, alguns membros das elites brasileiras passariam a estudar no exterior, o mercado editorial passaria a ser ainda mais dominado pela produção estrangeira e assim por diante. A produção científica, intelectual e tecnológica, uma das fontes das desigualdades internacionais (Viana, 2000) seria concentrada ainda mais nos países mais desenvolvidos tecnologicamente, proporcionando uma reprodução ampliada da subordinação internacional.

Por fim, temos a subordinação das universidades estatais ao mercado. A competitividade se torna uma palavra-chave para aqueles que propõem a reforma universitária. As universidades estatais devem, doravante, atender as demandas do mercado nacional e serão avaliadas através da forma classificatória, um incentivo governamental para a competição. A competição social é uma das características fundamentais da sociabilidade na sociedade moderna (Viana, 2002) e tem sua origem no processo de produção e distribuição capitalista, e agora se aprofunda com o novo estágio do capitalismo, invadindo esferas da vida social nas quais sua influência não era tão grande. Um novo regime de acumulação vem para intensificar o processo de exploração (Viana, 2003), tanto a nível nacional quanto internacional, e a competição se torna cada vez mais “selvagem”, onde só se salvam os mais fortes. As universidades estatais neste contexto se mercantilizam ainda mais. E o grande critério passa a ser quantitativo. Esta competição não gira em torno da qualidade e sim da quantidade. No discurso se fala de qualidade, mas a concepção de qualidade se torna mercantil e utilitária.

E os interesses nacionais? No capitalismo subordinado não existem interesses nacionais, mas tão-somente interesses daqueles que detém o poder, aliados e subordinados àqueles que possuem o poder em escala mundial. Por isso, a maioria perde com a reforma universitária neoliberal do Governo Lula. Os estudantes perdem, não só com a queda da qualidade do ensino como também financeiramente, com o fim da gratuidade. Em longo prazo perdem também no que se refere ao mercado de trabalho, pois a “universalização” do ensino promovida pela reforma e contando com o setor privado em expansão extraordinária, tende a produzir um exército de desempregados diplomados, que irão competir de forma intensiva (e com a qualidade do ensino das universidades estatais em queda, em condições semelhantes aos estudantes oriundos do ensino privado), bem como os salários deverão ter uma queda cada vez maior, devido à oferta de força de trabalho.

Os professores perdem, pois irão ter suas condições de trabalho precarizados, sua produção intelectual limitada, seus salários corroídos. A expansão dos cursos de pós-graduação tende a produzir um grande número de doutores e mestres que estarão competindo no mercado de trabalho, pressionando os salários para baixo, e diminuindo a qualidade do ensino, pois o crescimento da oferta de pós-graduação, assim como o da graduação, é acompanhado pela queda da qualidade.

A população em geral perde com a reforma neoliberal do ensino superior, pois ela faz parte do processo de aumento geral da exploração internacional que tende a aumentar a pobreza em escala crescente, principalmente em países de capitalismo subordinado como o Brasil.

Uma pequena minoria ganha, além dos países imperialistas. O governo, as empresas capitalistas e os empresários da educação são beneficiados com este estado de coisas. O governo busca manter a governabilidade com a ilusão do ensino superior para a juventude e políticas paliativas (política de cotas, inclusão de excepcionais, entre outras). Os empresários da educação ganham por conseguirem ampliar o seu mercado consumidor e pelos incentivos governamentais. As empresas capitalistas ganham com a produção ampliada de força de trabalho, o que lhe permite aumentar a exploração com a queda dos salários oriunda da competição pelo mercado de trabalho. Em longo prazo, os que ganham também perdem, pois o neoliberalismo e neoimperialismo fazem da sociedade contemporânea uma panela de pressão que cada vez mais é aquecida com as políticas neoliberais e como eles não querem tirá-la do fogo, ela tende a explodir e acabar não apenas com o neoliberalismo mas com sua base de existência, o próprio capitalismo.

Referências

Chossudovsky, Michel. A Globalização da Pobreza. Impactos das Reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo, Moderna, 1999.

Coraggio, José Luís. “Propostas do Banco Mundial para a educação”. In: Tommasi, L.; Warde, M.J.; Haddad, S. O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. 4ª edição, São Paulo, Cortez, 2003.

Leher, Roberto. Reforma Universitária do Governo Lula: Protagonismo do Banco Mundial e das lutas antineoliberais. In: http://www.andes.org.br/reforma_universitária_brasil_banco_mundial.pdf, acessado em agosto de 2004a.

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